Caça Fantasmas

O dia em que fui ver o Caça Fantasmas 1 deve ter sido um dos mais tristes da minha vida. 1984.
Eram as férias da Páscoa, eu estava a dar aulas pela primeira vez, literatura Portuguesa aos 10º anos de Ciências e de Humanísticas , cujos programas eram diferentes. Tinha 2 turmas de Humanisticas quatro vezes por semana e três turmas de Ciências 3 vezes por semana. Talvez devido ao programa dos de ciências ser mais fácil, o livro de estudo mais divertido, com actividades interessantes sugeridas, os alunos mais novos, estava a ter um razoável sucesso com eles. Convidavam-me para os passeios de estudo, riam-se com uma ou outra graça que eu dizia e portavam-se bem. As turmas de letras tinham alguns repetentes e alunos que não sabiam o que queriam fazer ( notei isso logo quando na segunda aula os pus a escrever uma composição " O que eu gostaria realmente de fazer no futuro "), não sabiam, nem sabiam inventar nada, eu disse que podia ser uma fantasia. Os de ciências queriam ser tenistas, futebolistas, veterinários, ir ao espaço, actores, músicos, médicos, multimilionários.... Enfim, lá me ia safando a dar Gil Vicente, Fernão Lopes, Padre António Vieira, poesia barroca, um programa infindável que nos dois anos de secundário era suposto cobrir a nossa literatura desde as Trovas medievais até aos Maias ( os de humanisticas). No fundo eu compreendia-os, eu também aprendera o mesmo, poucos anos atrás e achava a prof. incrivelmente maçadora. naquele tempo tinhamos poucos meios audiovisuais, era difícil interessá-los.

 Numa turma tive a sorte de um que era extremamente punk, cabelo comprido de um lado e rapado do outro e enorme, levar logo de início uns albúns debaixo do braço, dos Ramones, Back in Black e eu comentei que também tinha esses discos e o Highway to Hell. Claro que em 84 já tinham uns anos, mas ele gostava e eu disse-lhe que devia tentar fazer um programa na rádio, tinha uma boa voz. Segundo parece acertei, ele era tímido, mas gostava de fazer isso. Então essa turma passou a estar calada ( ele deve-os ter mandado calar ) e eu pude despachar as aulas o melhor que podia, que era simplesmente ditar um resumo da matéria e eles escreverem.
Período Barroco, começa em,,,,,etc e depois analisava um ou dois poemas e ditava as características da poesia barroca, distribuía uma fotocópia com estátuas e arte barroca e já estava. Na outra turma faziam-se de parvos, perguntavam quais eram os principais poetas barrocos e eu só me lembrava da soror Mariana que fora o poema que preparara e dizia que isso não era importante, não havia autores importantes, o que interessava era o estilo intrincado e difícil , cheio de figuras de estilo mas pouco conteúdo, ao contrário dos poemas de Camões do renascentismo, mais alegres, campestres, a falarem de um amor puro. E eles bichanavam entre eles que eu não sabia mais poetas. O que era verdade, eh
eh. Enfim, com eles não resultava o " agora estamos a falar deste depois noutra aula falamos disso ".

No meio de isto tudo, tinha um namorado há dois anos. Embora de início o achasse bronco e com dentes tortos e ele me achasse maria rapaz, por alturas do fim de ano estavamos perdidamente apaixonados, a faltar as aulas para estarmos juntos ( daí as más notas do primeiro ano). No primeiro ano correu tudo bem, saiamos com o grupo, todos tinhamos namorados, havia festas, mas no segundo ano ele pareceu começar a fartar-se de me ver todos os dias, ia ter com os amigos depois das aulas e depois de jantar ia a minha casa namorar, com os livros a tiracolo, pois dizia à mãe que ia estudar para casa de um amigo. Os meus pais lá nos deixavam estar na salinha, de porta aberta, a minha mãe achava que ele cheirava mal e o meu pai que ele era pouco esperto. Eu também achava o mesmo, tirava dez a tudo apesar de estudar, e antes disso eu andara com o outro que tirava 17 a tudo....no mesmo curso. Mas eu achei o outro muito queque e este, filho de uma auxiliar de enfermagem, era o máximo, tão atlético e olhos verdes e cabelo preto....O anterior era só filho de um juíz e de uma economista, e eu quando acabei com ele disse que era um sovina chato e queque, além de infiel.
Adiante, eu tendo acabado o curso e estando a trabalhar, ia começando a pensar se iria casar com aquele, que beijava bastante bem, mas dizia coisas tipo " o que me irrita mesmo é a comercialização de Fátima, a minha mãe foi lá e é um desrespeito, a venderem estátuas de Nossa senhora em todas as lojas..." e eu e a minha irmã a trocarmos olhares ...ah, Nossa Senhora, ele acredita nos Pastorinhos ?
Ih ih ih.
No entanto, quando naquele dia de calor ele me parou na estátua dos Restauradores e me disse que era melhor acabarmos, eu era diferente dele, já trabalhava, ele tinha pelo menos dois anos pela frente, precisava de começar a dedicar-se seriamente aos estudos para melhorar a média... fiquei tipo, enfiou a mão no meu peito e arrancou-me o coração. E ele sugeriu irmos ao cinema ver o Ghostbusters e riu-se durante todo o filme e eu só chorava em silêncio, e voltamos para casa de autocarro, ele todo contente de eu não ter feito uma cena e a achar que se safara muito bem. Em casa disse aos meus pais que afinal ia com eles para o Vale nas férias e a minha mãe deu-me um Lexotan 2.
Depois lá no Vale, liguei-lhe e ele atende e diz " Isabel ? ". Mas que m.....Bem, saltou a cena que ele não ouvira ao vivo, " Então andas com outra é ? Mentiroso , estúpido, andei a perder o meu tempo com um merdas....vai lá a casa depois buscar os LPs que lá deixaste". E quando lá foi a empregada entregou-lhos, e ele lá foi, com os seus discos ,  preferidos completamente riscados mas dento das imaculadas capinhas. a tal Isabel era uma colega do Técnico e ele andou com ela uns tempos, ainda os vi. Era uma altarrona de cabelos pelo rabo. Nice.

E pronto. Livrei-me de boa. Mas na altura quase não podia respirar só de pensar nele, rasguei todas as fotos e nunca mais o vi, apesar de morar a duas ruas de distância.

Sei que deve ter casado tarde pois tem um filho mais novo que os meus. Já o vi no Macdonalds e fingiu não me reconhecer, eu estava com os meus dois filhos, na altura estava casada, eram pequenos.
Continua com ar relativamente fit, com cabelo e em brancos.
Pergunto-me o que faria se ele por acaso ficasse agora, numa mesa ao meu lado no café. a resposta certa devia ser a indiferença, pois a indiferença é o oposto do amor, e não o ódio. Mas ele magoou-me e mentiu-me, acho que merece na mesma um gelado esborrachado na cabeça.
E levou-me a ver aquele filme piroso e riu-se !




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