Do Blog do Guilherme " Por falar noutra coisa "
Estive a ver um programa que me impressionou. Era um programa sobre tortura animal, em que homens e mulheres se exibiam sangrando feras inocentes. O mais estranho é que, naquele país, é uma tradição antiga que continua a atrair muitos espectadores ao recinto onde tais actos de brutalidade se executam. Bilhetes pagos a peso de ouro, mas sem peso na consciência. O país era o nosso, e a tradição parece que se chama tourada. Tudo isto num canal de nome saído de uma capa de filme pornográfico, Festa Brava. A julgar pela quantidade de palhaços nas bancadas, pode-se considerar um circo, e eu a pensar quecircos com animais já não eram permitidos. Gostava, então, de deixar aqui os dez argumentos a favor da tourada.
«A tourada é tradição e cultura.»
É uma actividade que remonta ao século XII, altura em que a maioria das pessoas não sabia ler nem escrever, em que a consciência humana e social era quase nula e ainda se cagava em penicos. Por si só, este argumento é parvo, já que os coliseus romanos queimar bruxas na fogueira e a escravatura também eram tradições culturais. Felizmente vamos evoluindo enquanto espécie, alguns, pelo menos, e vamos adaptando as nossas tradições aos valores da sociedade.
«Só vê quem quer. São gostos, e temos de respeitar.»
Sim, a liberdade de opinião é sempre de valorizar. Tem de existir toda a liberdade para se ser parvo, é um facto, que é o que este argumento é. Comentaram uma vez no blogue e disseram: «Eu também não gosto de boxe. Quando está a dar na TV, mudo de canal.» Comparar boxe com tourada é o mesmo que comparar violação com sadomasoquismo. Ambos fazem dói-dói, mas no sadomasoquismo estão lá os dois de livre vontade. Quando se fala de direitos e de civismo, o gosto e a liberdade não são para aqui chamados. Muitos padres também gostam de criancinhas e não é por aí que se vai legalizar a pedofilia.
«Não comes carne?»
O argumento mais parvo de todos, e que infelizmente é utilizado por muitos vegans para atacar quem não o é, em vez de apoiar quem está a tentar acabar com a tourada. Comer carne só seria comparável à tourada se começassem a cobrar bilhete para ir ao matadouro assistir ao break dance que as vacas e os porcos fazem quando estão a ser electrocutados. Com direito a transmissão televisiva e a desfile de homens de calças vermelhas, mulheres oxigenadas com filhos de cabelo à Playmobil pela mão, a dizer: «Veja, Martim, veja a vaca a contorcer-se. Se não fosse tradição e cultura, era horrendo. Agora assim é uma caturreira.» Relativamente a este tema, já aqui escrevi que sou vegan não praticante.
«Os touros bravos estariam extintos sem as touradas.»
E então? Noventa e nove por cento das espécies que já existiram estão extintas. Não fomos nós que as matámos todas, é o curso da natureza. Se for de forma natural, é deixá-las ir. Não faz muito sentido, a meu ver, manter uma espécie viva para lhe causar sofrimento. Esse argumento seria o que os apoiantes da escravatura utilizariam se a raça negra se estivesse a extinguir. Antes extintos do que escravos, digo eu, que nunca fui escravizado, mas, pelo que li, não devia ser agradável.
«O touro não sofre.»
Este argumento é parvo. Já viram que há um padrão nos argumentos? Não digo que sofra mais que em muitos matadouros. Provavelmente sofre menos, mas não é isso que está em causa. É o espectáculo deprimente que se monta à volta de um animal que está ser espicaçado e sangrado. Mesmo que as bandarilhas não lhe doam assim tanto, não justifica o ritual medieval que hoje em dia é mais para agradar à direita «chique» do que ao povo. Ver pessoas na plateia a tapar a cara de horror, mas que vão na mesma, porque está na moda... era um par de chapadas à padrasto para aprenderem.
«Os touros são animais agressivos e nasceram para a lide.»
Os touros são animais territoriais e selvagens, e, como tal, quem lhes invade o território sujeita-se a levar com um chifre nas nalgas. Fora isso, são animais normais colocados entre a bandarilha e a parede, onde se vêem forçados a marrar nos forcados. Nunca vi um touro a andar a vaguear à noite, escondido em esquinas e becos, à espera de uma rapariga perdida para a violar. Nunca vi gangues de touros com lenços na cabeça a arranjar confusão no Bairro Alto. No entanto, os humanos fazem isso e nós, infelizmente, não os pomos numa arena a serem espetados com bandarilhas no lombo. Agressivo e parvo é o ser humano, uns mais que outros.
«É uma arte bonita de se ver.»
Também é bonito ver mulheres nuas na rua (algumas), e não é por isso que é legal. Infelizmente. A definição de arte e a beleza são subjectivas, se o Da Vinci tivesse utilizado bebés e um espremedor de laranjas para a tinta dos seus quadros, também continuariam a ser obras de arte, mas os meios não justificariam os fins. Cá para mim, a arte a que os aficionados se referem é ver a tomatada dos toureiros ali toda pronunciada, no meio dos collants e das lantejoulas, normalmente de tons rosa e amarelo. Sim, é realmente uma arte conseguirem arrumar aquilo para um lado e ainda conseguirem andar como deve ser.
«Atrai turismo.»
Acredito que sim, mas sabem o que também atrai turismo? Prostituição e drogas. Há até quem vá a certos países do Terceiro Mundo para comer criancinhas. É esse o turismo que queremos ter? Eu cá passo bem sem os estrangeiros que querem ver um animal a sofrer. Prefiro mil vezes um grupo de dez ingleses bêbedos a vomitar.
«Dá emprego a muita gente.»
O desemprego é, na sua maioria, mau, mas há muita gente que está desempregada porque ou não quer trabalhar ou não tem capacidades para fazer nada. Se a tauromaquia é a única coisa que se sabe fazer na vida, então, se calhar, o desemprego é justo. Sem subsídio, neste caso, se faz favor. Mais uma vez, a droga e a prostituição também dão emprego a muita gente. A diferença é que, no caso da droga e da prostituição, a legalização iria diminuir o número de pessoas que estão nessa vida contra a sua própria vontade.
«Preocupem-se antes com os cães abandonados.»
Uma coisa não exclui a outra. A questão é que o abandono de cães acontece às escondidas (e agora já é crime), e a tourada passa na RTP. É normal que chame mais a atenção. Não acho que quem goste de tourada seja automaticamente atrasado mental e má pessoa, que é o que acho de quem abandona um cão. Quem faz isso a um animal, com o qual conviveu e devia ter criado laços, para o deixar a sofrer algures na beira de uma estrada ou numa mata, devia morrer. É impossível que seja uma pessoa decente, e devia estar numa arena a ser sodomizado por uma manada de touros com elefantíase do pénis. O touro sempre tirava algum prazer assim. Por falar na nova lei que criminaliza os maus-tratos a animais, como sabem, só se aplica aos de companhia. Será que, se eu tiver um touro amestrado, lhe posso espetar ferros no lombo para o ensinar a sentar e dar a pata? E os circos, a mesma coisa. Aliás, os circos com animais e as touradas têm um ponto em comum: ambos maltratam e exploram seres vivos contra a sua vontade e ambos têm palhaços. No caso das touradas, costumam estar também nas bancadas.
Posto isto, quero apenas terminar dizendo que respeito muito mais quem gosta de tourada e diz que gosta porque sim, porque cresceu com isso e não está preocupado com o touro. Que o sofrimento do animal não o preocupa. Respeito muito mais quem tem essa honestidade do que quem tenta dar um destes argumentos parvos que fazem tanto sentido como a tourada ainda existir. Nenhum.
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