Dia do pai

Acordei cedissimo , sete horas, pois um gato estava a miar , e afinal era porque tinha ficado fechado na sala. Eu fecho para não irem lá arranhar, ou atirar coisas ao chão. Tive de lhes dar de comer e agora, claro que não tenho sono. Adormeci à meia noite, ontem.
Hoje é dia do pai e o meu já morreu há bastantes anos. Eu tinha 28 e dava aulas em Cascais, e ele estava reformado e cada vez mais deprimido desde que se reformara e a minha avó morrera. A minha mãe fora-se deitar com a depressão e ele deu-me um papel assinado por ele com uma conta da Caixa, e disse que era o dinheiro que me faltava para eu comprar a casa. Eu tinha visto casas em Carcavelos mas pediam mais do que eu tinha na conta, e ele me pusera lá quando dera a casa à minha irmã. Mas com o passar dos anos, a inflação já não me permitia chegar lá. Isto foi ao almoço e eu ia ter com o Pedro, um namorado de que o meu pai gostava, era engenheiro. O meu pai disse para eu ir já ao banco fazer a transferência para a minha conta. E depois foi para a casa de banho e eu ainda o vi sair de lá com um ar estranho e ir para o quarto.
Fui-me embora e não fui à Caixa. Eram férias de natal. Quando voltei era noite e estava tudo silencioso em casa. Fui ver TV, um filme e quando acabou eram umas duas da manhã, estava tudo silencioso na mesma. A minha mãe dormia no outro quarto. O meu pai ressonava. E não estava a ressonar. Fui lá ao quarto. Ele estava como eu o deixara, sentado na cama, mas caido para trás. Segundo o médico estava morto há mais de doze horas. Desde que eu saira.
E ninguém lá fora. Morreu só, eu saí e a mãe dormia, e eu devia ter sabido, mas saí.
Andei anos a pensar nisto agora como não estou em casa não tenho tempo para pensar. Não tive culpa, ninguém tem culpa. Tentámos falar com ele muitas vezes mas era muito difícil.As pessoas só se tratam se quiserem, ninguém as consegue obrigar. Mas eu gostava dele.