Os Meus Passos

Era uma vez um rapaz que morava no bairro da lata e que ia a caminho da escola. E ouvia os sapatos baterem no alcatrão e dizia para si: ai passos tão tristes, passos pequeninos e a escola é tão longe ! Quem me dera que fosse um gigante ! 
E depois passou perto de um velhinho com a cabeça abaixada e perto de uma mulher tão triste a vender castanhas assadas. 
E a mulher perguntou-lhe : porque vais tão triste, pequeno ? 
Porque os meus passos são muito pequeninos e a escola fica muito longe e a minha mãe é muito pobre. 
E ela disse-me : eu também sou tão pobre mas toma estas castanhas quentinhas e estes dez tostões e vai no autocarro. 
Eu agradeci muito e quando entrei no autocarro fui logo para a janela ver as estradas. Parecia que as searas cheias de papoilas encarnadas se gastavam depressa, e os bois a pastarem a erva muito verde, e as mulheres a irem para a fábrica e os pássaros no céu. 
E eu gritei : só agora reparo que é primavera ! Ai como é bom andar de camioneta: não se gastam solas e a gente nem vai cansado e pode ver a vida. 

E quando chegou à escola contou isto aos companheiros e toda a manhã pensou na velha das castanhas. 
Como é bela a vida ! 

Como é bela a vida às vezes, não é ? 

manuel miranda 
8 anos 

colectânea de textos infantis coligidos por 
maria rosa colaço 
" A Criança e a Vida ", ed. ITAU, 1971 

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