Ruth Rendell - A Árvore da Malária (cont.)



Ficou em silêncio, a pensar nisso. O carro dos guardas seguiu-os até ao acampamento.
O céu estava nublado e amarelo, com o entardecer. Ele tencionava deixá-la na selva, voltar para o acampamento sem ela, ver a escuridão abater-se, sabendo que ela estava lá, sem dizer uma palavra a ninguém, e quem notaria a sua ausência? Ele não iria ao restaurante e no dia seguinte sairia cedo , não era preciso fazer ckeck out, estava tudo pago. O crime perfeito. Se encontrassem os ossos estariam rasgados pelas hienas e chacais e aves de rapina. Ele voltaria para casa e para Margarida.

Nessa noite ele foi mais simpático com ela. Pediu champanhe e outros pratos caros da ementa. Estaria com medo que ela tivesse percebido o que estivera para acontecer, horas atrás ? Ela quase não comeu. Nunca mais estaria em segurança com ele. Quem sabe se fora a primeira vez ? E se ele tivesse substituído os comprimidos de quinino por aspirina ? Se a tentasse afogar na banheira ? Só estaria em segurança se o deixasse. Que era o que ele queria, evidentemente.

A meio da noite Teresa levantou-se e vestiu-se. Ainda estava escuro, mas a noite estava a levantar como um véu a ser retirado lentamente, como um presságio.  Um bando de morcegos saiu da árvore da febre e sobrevoaram-me aos guinchos. Assustou-a mas não gritou, como teria feito se fosse acompanhada do marido ou do pai. Lembrou-se das pinturas de monstros de Hieronimous Bosch, cheias de homuncúlos que se gritassem seriam como eles. Sempre gostara de pintura e arte, mas não estudara, apenas terminara o liceu, saíra da casa do pai para os braços de Fernando. Voltou  para o quarto.

Fernando acordou, desta vez deixara o pé de fora dos lençois e fora mordido no tornozelo. Coçara-se sem querer e este inchara e incomodava-o fortemente. Ele gostaria que ela o substituísse ao volante, mas ela não conseguia guiar. Ele tentara ensiná-la mas ela enervava-se com os seus gritos. Nas lições de condução também dizia que gritavam com ela e por isso ficava nervosa. Parecia pensar que ninguém lhe devia levantar a voz, que a um olhar dela todos os homens se deveriam atirar a seus pés....

Foram dos primeiros a sair do campo, e ele dirigiu-se a Sotingwe, onde havia uma lagoa. Encontraram lá um grupo de leões, e  ela conservou-se no carro. O carro dos sul africanos estacionou ao lado deles e abrindo a janela este disse-lhe " Nada de ir passear hoje, hem ! " alegremente. Apareceram elefantes, viram crocodilos,  tudo fervilhava de vida selvagem. Teresa tirava fotografias dentro do carro.  Regressaram para almoçar.

Na mesa ao lado, um dos sul africanos,  Eric, dizia ter visto um enorme leopardo numa árvore. Teresa interessou-se e perguntou onde, ele explicou-lhes " cerca de um km depois da ponte, a  meia hora daqui..." . Dormiram a sesta. Fernando coçava cada vez mais o tornozelo, estava a ficar insuportável e já começava a coxear. Não lhe apetecia sair de novo, mas Teresa insistiu, queria fotografar o leopardo.

Seguiram pela estrada de terra, a clareira e a árvore onde Eric vira o leopardo. Não estava lá.
Teresa ía sair do carro mas hesitou. Fernando  tirou as chaves do carro da ignição e deu-lhas, com ar de escárnio. Teresa aceitou-as, com uma mão com as chaves e outra com a pesada máquina fotográfica.   Fernando gritou-lhe que pusesse a fita da máquina ao pescoço, mas ela não o ouviu. Trazia um vestido vermelho e branco às riscas de alças, descalçou as sandálias e molhou os pés num riacho próximo.  Deu pontapés na água e riu-se. Fernando pensou como tinha adorado aquele tipo de comportamento quando a conhecera, e como agora o teria de suportar toda a vida. Começou a suar como se a temperatura tivesse aumentado de repente.

Ele previu o que ía acontecer segundos antes, quando viu o porco espinho . Ao levantar a máquina para o fotografar, Teresa perdeu o equilíbrio nas pedras do ribeiro, e sem perceber o que fazia, largou a máquina, e não as chaves, para aparar a queda. Fernando saiu do carro gritando impropérios, olhando para a sua cara máquina....estilhaçada. Teresa correu para o carro, sentou-se no lugar do condutor, enfiou a chave na ignição e rodou-a. O carro apontava para Thaba e o relógio do tablier marcava 5h e 35 minutos. Fernanando veio a coxear, com a máquina partida nas mãos, a acenar os braços em frenesim. Ela olhou em frente , meteu a mudança e carregou a fundo no acelerador. O céu estava alaranjado, a escuridão aproximava-se. Ela apercebeu-se que sabia guiar quando era preciso, mesmo não tendo passado o teste.

 Dois quilometros mais à frente um carro com um casal de turistas que vinha em  sentido contrário parou a seu ledo e perguntaram-lhe  se valia a pena seguir por ali, " Não, não há lá nada para ver ", disse ela. Deram a volta e os dois carros seguiram velozmente para Thaba. Quando lá chegaram e fecharam os portões,  faltavam dois minutos para as seis.

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