Sou uma princesa

Hoje é dia de sto. António de Lisboa e por isso é feriado, em Lisboa. Ah ah, invejosos de outras cidades ! Quatro dias de férias ! talvez por isso ande tudo tão sossegado, devem ter ido para o Algarve ou à terra. Há muitos Lisboetas que têm uma " terra", geralmente dos avós, às vezes dos pais.

É melhor quando é dos avós, pois em criança despacham-nos para lá, nas férias, e temos a experiência de viver no campo ou numa vila pequena, numa casa com jardim e quintal, e ter primos que ainda lá vivem com os pais.



Em Cantanhede passei férias em pequena ( a avó morreu quando eu tinha 11 anos), e lembro-me de ver partir os meus pais, em lágrimas, a ver o Saab fazer a curva e desaparecer... depois a minha avó e a Emília ( a criada que estava comigo desde pequena) levavam-me a ver os gatos e os baloiços e eu calava-me. Tinha lá três primas, que moravam numa rua mais longe e eu queria ir para lá todos os dias, ou eles vinham para a avó. Eu ia para lá sozinha, sempre a correr , só tinha três ruas para atravessar .... Como telefonavamos a avisar que eu ia, não ligavamos a dizer que tinha chegado, só se não chegasse.


Mas eles depois iam de férias para a Figueira da Foz e eu ficava a olhar para as moscas...
Uma das coisas que fazia era ir para o quarto da Alzira, a empregada da avó, ler as revistas de fotonovelas. Ela tinha uns 17 anos e a avó não gostava que eu estivesse na conversa com ela, tinha medo se calhar que ela me contasse factos da vida. As fotonovelas eram mais instrutivas....

Também ia à feira com a Emília, era num terreno com árvores e sombra, e havia gado, bois e vacas e cabras e ovelhas e burros e eu sempre gostei de animais. Vendiam uns chupas que eram feitos de acúcar caramelizado e embrulhados em papel, eram as pessoas que faziam e vendiam lá e pipocas e tremoços, as pipocas chamavam-se "freiras" (sério ! ). Também havia peças de barro, eu comprava um bonequinho ou uma bilha, para brincar com a as bonecas. Também compravamos pano, aos bonequinhos  ou às bolinhas, para fazerem fatos para o meu boneco chorão, Joãozinho. Uns calções e uma blusa, com rendinhas....

lembro-me de uma vez, mais velha, ter ido passar uns dias com os meus primos, deve ter sido um fim de semana, na Figueira. Fui com o meu tio, o irmão mais velho da minha mãe, fui no banco da frente.
sem cinto, imagino. Era para aí uma hora de viagem e acreditem que o meu tio não me disse uma palavra ! Eu com ele era um bocado tímida, achava-o velho e muito sério ( ele ralhava com a minha irmã, uma vez ela pintou o cabelo com água oxigenada e ele fartou-se de ralhar ) por isso não perguntei nada. Que estranho, não é, não se dizer nada a uma criança. Ele devia ir a pensar nos problemas dele, e eu era demasiado insignificante para conversar.

Em casa deles comiamos na cozinha, com a criada Adelaide, uma fera que nos obrigava a fazer a sesta e a rezar e ficava toda ressabiada por eu tratar as minhas primas por tu e ela a mim por " a menina ". Era tipo , os senhores e as crianças. Em nossa casa eramos muito mais modernos, eu tratava os pais por tu, a Emília andava de farda, vestido e avental, mas era porque ela preferia, poupava a roupa dela. No nosso prédio toda a gente tinha criadas, chamavam-se assim, não era empregadas.
Costumavam vir da terra servir na casa dos patrões e faziam as refeições, e no nosso caso ainda tinhamos uma empregada a dias para encerar o chão, a Emília tinha mais de 50 anos, já servira em várias casas, não fazia essas coisas.

Estava a ler o livro do Miguel Esteves Cardoso, " Os meus problemas " e ele distingue entre " meninos bem ", " queques " e " betinhos ". Os meninos bem, podem não ser ricos, mas os avós e bisavós eram, e dão-se bem com toda a gente, vestem no dia a dia com simplicidade e roupas que eram dos irmãos, estão à vontade à mesa e tiram as azeitonas com a mão e põem a o caroço na beira do prato, brincam com os filhos dos empregados. Os queques, foram os avós que enriqueceram, e vestem-se com roupas de marcas sempre, exibem a sua fortuna e fazem jantares ruidosos com os amigos em que falam alto dos carros e casas. Os betinhos, são os primeiros da família a irem para a universidade, tentam imitar os queques, são filhos únicos e distinguem-se por à mesa estarem muito atentos e rígidos a observarem como se usam os talheres, e os copos, e se podem comer a salada com faca e garfo e tiram as azeitonas com o garfo. E têm vergonha dos pais, e ficam muito intrigados por o seu amigo " bem ", lhes estender logo a mão e começar a falar com eles desembaraçadamente, sobre agricultura e vinhas, carpintaria ou autocarros. Se fosse um amigo " queque " ignorava-os, eram demasiado inferiores para lhe falarem.

Ri-me um bocado com isto, pois eu sempre fui despassarada. Matei a a minha avó do Vale de riso, quando me apresentou o trolha, sr. Alcino " vem cumprimentar o senhor Alcino " e eu lhe dei dois beijos, e ele " a sua neta é uma menina muito simpática ! ".
Quanto a saber quem eram os bisavós, sei, há imensas fotos em casa dos avós, nas paredes e tudo.
O património lá está. em terras e casas, e o meu pai foi um engenheiro de sucesso. Eu e a minha irmã ainda não herdamos, a minha mãe é viva, mas não se pode dizer que sejamos muito ricas. Ela foi dispensada aos 50 anos da PT, com metade da reforma até atingir 65 anos, e eu , casada com um " betinho ", não aguentei mais de dez anos.... Pela personalidade controladora dele, manipuladora, ciumenta, abusiva, etc. Invejosa da minha cumplicidade com os filhos. E sim, eu gostava mais dos meus filhos do que dele. Até gostava mais da gata do que dele.
Por isso agora vivo na minha casinha simpatica , " gosto mais desta do que da sua casa na Expo ! " disse a Júlia, quando veio cá uma vez limpar a casa. Querida Júlia ! Eu também. O meu prédio era um ninho de novos ricos (excepto a minha vizinha de cima ) que entravam no elevador e não me diziam " bom dia " porque me viam com o carrinho de bebé e um pela mão, e achavam que eu era a empregada ! Mal sabiam eles que a casa estava em meu nome. E que era maior que a deles.
Pessoas reles.

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