Steve McQueen e Papillon - O desejo de fugir

Estive  a reler o livro " Papillon " de Henri Charrière. É escrito na primeira pessoa, é um malandro de Paris, um anti-herói, que é preso nos anos trinta por ter morto um " chulo " e mandado para o degredo, na Guiana Francesa. Naquele tempo mandavam os presos para as colónias, e não era preciso muito, bastava ser um pequeno ladrão reincidente. Mandavam rapazes de vinte anos que ficavam lá dez , quinze anos. Muitos para servirem de " mulheres " dos perigosos do " millieu " . Claro que ao nosso herói Papillon (por ter muitas tatuagens, uma de uma borboleta) não acontece nada disso, ele tem vinte e cinco anos mas uma reputação estabelecida, anda nas ruas há anos e conhece metade dos condenados.
O Papillon é condenado por ter morto um " chulo " crime do qual sempre se declara inocente, culpa um " bufo " de o ter acusado em troca de redução de pena. Jura vingar-se da testemunha, do promotor, do juíz , dos jurados, matá-los um  a um, e o seu maior desejo é a fuga.
O livro quando saiu provocou indignação pela maneira como os prisioneiros eram tratados, mas nessa altura o sistema prisional já tinha sido reformado. Basta dizer que na Guiana viviam em casernas de quase cem presos, saiam para efectuar trabalhos e voltavam para jogar cartas e lutar uns com os outros. Dividiam-nos consoante a perigosidade, e Papillon estava no Pavilhão dos perigosos, onde se sentia perfeitamente à vontade. Desde que se tivesse dinheiro comprava-se tudo o que se queria, desde cigarros a navalhas, e os guardas fechavam os olhos, a maioria corruptos. Ora o dinheiro em notas era escondido dentro de um tubo de alumínio, comprido e fino, que se atarrachava e metia nos intestinos. Claro, como um supositório. Isto tornava cada ida à casa de banho perigosíssima, havia sempre quem quisesse roubar " os governos ". Quando conseguiam fugir, era de barco, pois por terra estavam rodeados de selva amazónica, e iam para a Trindade ( dos ingleses ) onde só podiam permanecer um mês, para as Honduras ou para a Venezuela (onde os devolviam à França e ao presídio ). Quando eram devolvidos eram julgados e condenados a uns tantos meses na " solitária ".
Papillon foge passados poucos meses e naufraga numa zona habitada por índios, que o tratam bastante bem. Junta-se a uma india, que é pescadora de pérolas, faz tatuagens ao chefe da tribo, anda a passear-se de tanga e a comer ostras, peixe e mariscos até não poder mais. A índia engravida e ele acha que está na altura de partir, não é homem de compromissos.....Claro que é aprisionado na Colômbia onde o lançam numa masmorra que se enche de água sempre que a maré sobe, e recambiado para a prisão de onde fugiu.
É condenado a dois anos na solitária, que é num grande edifício com muitas celas pequenas, sem tecto, o tecto é o do pavilhão, muitos metroa acima. Os guardas patrulham numa passadeira vigiando-os de cima. O silêncio tem de ser absoluto, caso o não seja, os guardas entram na cela e espancam-nos. A comida é uma sopa aguada e lentilhas, pão, e metade morre antes de cumprida a pena. Ou enlouquece. O pavilhão é muito quente e ele está nu, caminha dez horas por dia na cela, dez passos, cinco para cada lado. Consegue sobreviver e é mandado cumprir o resto da pena nas ilhas, a do Diabo, onde têm liberdade de pescar e cultivar hortas, vender os peixes e legumes às mulheres do diretor e dos guardas. Apesar de tudo, o objectivo de Papillon é sempre a fuga e um dia enche dois sacos de cocos e atira-se ao mar. As correntes levam-no a terra e consegue fugir.
Bem, não se pode deixar de admirar a sua persistência, o objectivo de ser livre.

Mas eu realmente, prefiro o filme, com Steve McQueen e Dustin Hoffman. Dustin Hoffmann faz um papel que no livro é muito secundário, Degas, é um ladrão de colarinho branco, condenado por um escândalo de acções na bolsa, um sujeito franzino, de óculos, que logo no cargueiro para a Guiana contrata o Papillon para o proteger no meio dos outros presos, e promete arranjar-lhe um trabalho fácil na Guiana, graças ao dinheiro que transporta. No filme é muito divertido. pois mal chegam e são divididos e destinados os vários trabalhos, o diretor reconhece Degas e fica furioso, pois a sua mãe perdeu todas as suas economias com as acções falsas de Degas, e condena-o a trabalhar no corte de lenha na floresta. A cena seguinte do filme é Papillon e Degas atolados em lama e mosquitos, a carregarem lenha às costas no mato, e Degas a gaguejar, de óculos à banda, " não te preocupes, ainda te vou ajudar! " enquanto Steve McQueen rosna,  " trabalho fácil....".

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